A aplicação da desburocratização na administração pública e, em especial, no registro imobiliário.
Éder Rodrigues de Souza
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI 13.726/2018
A aplicação da desburocratização na administração pública e, em especial, no registro imobiliário.
Racionalizar, segundo o dicionário Houaiss, consiste em “organizar (algo) de maneira lógica, tornando-o mais funcional, prático, eficaz; simplificar”.
A racionalização de procedimentos é uma necessidade inarredável de qualquer instituição, seja ela pública ou privada; e tem com resultado a economia, a comodidade, a melhoria de resultados etc. Organizar os procedimentos é, acima de tudo, concatená-los, portanto, de forma lógica, sem descurar-se de seus fins. É evitar a lógica da forma pela forma.
Se adotado o procedimento racional, tende-se a alcançar a eficiência do fim colimado. E nessa oportunidade, deve-se ressaltar que a eficiência não é apenas uma finalidade da administração pública, mas um princípio constitucional, que deve ser buscado por todo agente e por toda a instituição que atue na prestação de serviços públicos.
Com a edição da Lei federal nº 13.726, de 08 de outubro de 2018, a racionalização de procedimentos, por meio da enumeração de medidas a serem adotadas pela administração pública, busca a desburocratização dos serviços prestados por esta a seus usuários. Vem para confirmar o citado princípio constitucional da eficiência, consagrado no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988.
Entretanto, não é razoável entender que tais medidas possam ser adotadas em mitigação ao princípio da segurança jurídica, consagrado, em especial, na legislação concernente aos serviços notariais e de registro. Isso porque, além de um princípio estampado no art. 1º, da Lei federal nº 8.935/94, a chamada Lei dos Notários e Registradores, a busca pela segurança jurídica é uma finalidade de todo o ordenamento, um princípio constitucional implícito.
Assim, não apenas os serviços extrajudiciais, mas também toda a administração pública deve adotar os procedimentos previstos na Lei 13.726/2018, mas sem descurar-se da segurança, como se observa, de forma implícita, em seu artigo 1º:
Art. 1º Esta Lei racionaliza atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios mediante a supressão ou a simplificação de formalidades ou exigências desnecessárias ou superpostas, cujo custo econômico ou social, tanto para o erário como para o cidadão, seja superior ao eventual risco de fraude, e institui o Selo de Desburocratização e Simplificação.
A racionalização pretendida pela citada lei não tem o condão de extirpar do ordenamento, de forma indiscriminada, todos aqueles procedimentos eventualmente entendidos pela população como desnecessários. Isso porque muitas vezes o consenso sobre determinada norma ou procedimento não se forma a partir de uma observação criteriosa da realidade, mas a partir de um entendimento raso sobre suas finalidades e razão custo-benefício.
No entanto, não cabe exigir de cada indivíduo um conhecimento aprofundado da lei, sobretudo diante da realidade de que aos próprios profissionais do direito não é razoável se exigir o conhecimento sobre todos os pormenores de todos os ramos do direito. As complexidades decorrentes da aplicação de certa norma, de cunho eminentemente procedimental, mas que tem no fundo a proteção de direitos e valores caros à sociedade, tome-se o exemplo do direito real de propriedade, não passam pela análise perfunctória da população em geral.
Quando a Lei 13.726/2018 trata da racionalização, tende a afastar as exigências desnecessárias ou superpostas, que, por óbvio, não merecem ser admitidas. A utilização do próprio termo “desnecessárias”, diante de sua obviedade, é autoexplicativo – se desnecessário é inexigível.
Ponto nevrálgico do referido artigo 1º, no entanto, refere-se à proporcionalidade entre o procedimento adotado pela administração pública e o bem jurídico por ele tutelado. De fato, o procedimento deve ter em mira, ainda que não de forma precípua, a garantia, a proteção de um bem. Como dito, não há que se suportar a existência de um procedimento que se justifique pura e simplesmente em si próprio.
E o dispositivo legal em comento garante que nenhum procedimento poderá ser adotado se o seu custo econômico ou social supere o prejuízo decorrente de eventual fraude, tanto para o usuário quanto para a própria administração. Com isso, restringe-se o âmbito de aplicação desta lei a um mínimo razoável, com vistas à proporcionalidade entre procedimento e bem jurídico atingido.
Mais especificamente em relação ao registro imobiliário, há indiscutível importância em seu objeto, seja em seu aspecto econômico ou social. Isso porque, em suma, o registro de imóveis tem como finalidade a proteção da propriedade, direito constitucionalmente protegido, conforme art. 5º, caput e inciso XXII, da Constituição Federal de 1988. No registro imobiliário, assim como nos demais serviços extrajudiciais, está depositada a confiança quanto à estabilidade das relações jurídicas nele constituídas, extintas ou modificadas.
Sobre a segurança jurídica atribuída ao registro imobiliário, discorre Maria Helena Diniz:
O registro público pretende obter a segurança jurídica, pelo aperfeiçoamento do controle de lançamentos e dos cadastros imobiliários, constituindo um repositório de informações, garantindo que haja indenização ao titular ou a terceiros pelos danos que lhes foram causados, por risco inerente às deficiências estruturais do sistema. No nosso registro imobiliário almeja-se, portanto, um registro seguro, isto é, livre de risco.
Portanto, a Lei 13.726/2018 claramente não tem o objetivo de extinguir todo e qualquer procedimento adotado pela administração pública, tampouco aqueles adotados pelas serventias extrajudiciais, em especial, pelos cartórios de registro de imóveis. Logo de início, em seu art. 1º, restringe a supressão ou simplificação de medidas e exigências àquelas cujo custo econômico e social superem o prejuízo de eventual fraude.
Relevante observar, também, que a existência de lei especial afasta uma aplicação mais abrangente dos dispositivos constantes da Lei 13.726/2018.
Exemplo disso é o que dispõe o art. 221, II, da Lei 6.015/73, que exige expressamente o reconhecimento de firma para os instrumentos particulares apresentados a registro no cartório de registro de imóveis. Entre tantos outros, esse procedimento em muitas situações garante a autenticidade do documento levado a registro, afasta a possibilidade de fraude e implica em maior segurança jurídica para o ato praticado.
Assim, caberá à administração pública e também aos titulares das serventias extrajudiciais, incluídos os oficiais de registro de imóveis, a observância à Lei 13.726/2018, visando, sobretudo, ao princípio constitucional da eficiência, consagrado no art. 37, caput, da CF/88. No entanto, deverão ser respeitados os princípios da segurança jurídica e da proporcionalidade, assim como o disposto no art. 2º, §2º, da LINDB, que afirma a prevalência da lei especial sobre a lei geral, ainda que esta seja posterior.
Referencial Bibliográfico
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 05 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.Htm>. Acesso em: 02 dez. 2018
BRASIL. Lei nº 13.726, de 08 de outubro de 2018. Racionaliza atos e procedimentos administrativos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e institui o Selo de Desburocratização e Simplificação. Diário Oficial da União, Brasília, 08 out. 2018. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/Lei/L13726.htm>. Acesso em: 01 dez. 2018.
BRASIL. Decreto-Lei nº 4.657, de 04 de setembro de 1942. Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Diário Oficial da União, Brasília, 09 set. 1942. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em: 01 dez. 2018.
BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 31 dez. 1973. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015compilada.htm>. Acesso em: 30 nov. 2018.
BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro. (Lei dos cartórios). Diário Oficial da União, Brasília, 18 nov. 1994. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8935.htm. Acesso em: 01 dez. 2018.
DINIZ, Maria Helena. Sistema de Registro de Imóveis. São Paulo, Ed. Saraiva, 2009.
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