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O procedimento do Registro Tardio não pode ser usado para registrar pessoas já falecidas

*Letícia Franco Maculan Assumpção

**Stanley Savoretti De Souza

 

  1. Introdução

O procedimento para o Registro Tardio feito administrativamente, perante o Registrador Civil das Pessoas Naturais do Cartório da residência dos genitores ou do próprio registrando, está previsto na Lei nº 11.790, de 2 de outubro de 2008, que alterou o art. 46 da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. As disposições da referida lei foram complementadas, e mesmo um pouco alteradas, pelo Provimento nº 28/CNJ.

Tal procedimento tem como objetivo facilitar e agilizar o registro de pessoas cujo registro não tenha sido lavrado no prazo legal. Contudo, nos dias atuais, tem havido solicitação de registro tardio de pessoas já falecidas. Muitos descendentes de imigrantes aqui chegados no final dos 1800 e início dos 1900 têm buscado o reconhecimento da cidadania estrangeira, na condição de descendentes, sobretudo de descendentes de italianos e portugueses.

Face à dificuldade em localizar o registro de nascimento de seus antepassados, pelo fato de não possuírem informações precisas sobre o ato, como o local ou data onde foi realizado, ou mesmo por não terem sido feitos os registros, os descendentes recorrem ao procedimento de registro tardio para obter o registro e a certidão que servirão de fundamentação do processo junto à representação diplomática do país de origem de seu antepassado.

Contudo, como demonstraremos, o procedimento de registro tardio pela via administrativa previsto na Lei e no Provimento não pode ser usado para registro de pessoa já falecida.

  1. O procedimento de registro tardio pela via administrativa

Considerando as disposições do art. 52 da Lei de Registros Públicos, que trata do registro de nascimento, o declarante do nascimento pode ser:

1) o pai ou a mãe, isoladamente ou em conjunto;

2) no impedimento de ambos, o parente mais próximo, sendo maior achando-se presente;

3) em falta ou impedimento do parente referido no número anterior, os administradores de hospitais ou os médicos e parteiras, que tiverem assistido o parto;

4) pessoa idônea da casa em que ocorrer, sendo fora da residência da mãe;

5) finalmente, as pessoas encarregadas da guarda do menor.

Observe-se que o os parágrafos do mesmo art. 52 esclarecem que, quando o oficial tiver motivo para duvidar da declaração, poderá ir à casa do recém-nascido verificar a sua existência, ou exigir a atestação do médico ou parteira que tiver assistido o parto, ou o testemunho de duas pessoas que não forem os pais e tiverem visto o recém-nascido. No caso de registro fora do prazo legal o oficial, em caso de dúvida, poderá requerer ao Juiz as providências que forem cabíveis para esclarecimento do fato.

A lei, portanto, ao mencionar o declarante, teve como foco o fato de o nascimento ter se dado há pouco tempo, posto que essa é a regra. A exceção é o registro tardio, ou seja, aquele feito fora do prazo legal, que é de 60 (sessenta) dias para os genitores e de 15 dias para os demais declarantes, nos termos do disposto na Lei nº 13.112, de 30 de março de 2015, que alterou a redação do art. 52, da Lei de Registros Públicos.. O registro tardio está tratado no art. 46 da mesma lei, na redação dada pela Lei nº 11.790/2008 e ainda em vigor, devendo ser ressaltado que não há qualquer penalidade pela falta de observância do prazo para registro, apenas havendo uma alteração na competência para registrar, que passa a ser exclusiva do Oficial do cartório que serve à residência dos genitores ou do registrando, se maior.

O mencionado art. 46 da Lei de Registros Públicos estabelece que  as declarações de nascimento feitas após o decurso do prazo legal serão registradas no lugar de residência do interessado e que o requerimento de registro será assinado por 2 (duas) testemunhas, sob as penas da lei. O oficial do Registro Civil, se suspeitar da falsidade da declaração, poderá exigir prova suficiente. Persistindo a suspeita, o oficial encaminhará os autos ao juízo competente, que decidirá se o registro deverá ser feito ou não.

A referida lei 11.790/2008 trouxe inovações, mas também problemas, posto que passou a exigir duas testemunhas para qualquer registro fora do prazo legal. O problema é que é comum os genitores atrasarem um ou dois dias após vencimento do prazo legal e isso levava à exigência de duas testemunhas, o que dificultava o registro. Por outro lado, a falta de um procedimento para o registro tardio, principalmente no caso de criança maior de 12 (doze) anos e nos casos em que não era apresentada a DNV – Declaração de Nascido Vivo, trazia diversas incertezas e também poderia deixar de garantir que fraudes fossem afastadas.

Em razão disso, o Conselho Nacional de Justiça -CNJ publicou o Provimento nº 28, de 5 de fevereiro de 2013, que trouxe diversas inovações, tanto sobre registro tardio quanto sobre outras questões.

Estudando o referido Provimento, pode-se observar que o registro tardio de pessoa maior de 12 anos de idade somente poderá ser feito após entrevista com a pessoa, conforme art. 4º, abaixo reproduzido, com grifos nossos:

“Art. 4º. Se a declaração de nascimento se referir a pessoa que já tenha completado doze anos de idade, as duas testemunhas deverão assinar o requerimento na presença do Oficial, ou de preposto expressamente autorizado, que examinará seus documentos pessoais e certificará a autenticidade de suas firmas, entrevistando-as, assim como entrevistará o registrando e, sendo o caso, seu representante legal, para verificar, ao menos:

a) se o registrando consegue se expressar no idioma nacional, como brasileiro;

b) se o registrando conhece razoavelmente a localidade declarada como de sua residência (ruas principais, prédios públicos, bairros, peculiaridades etc.);

c) quais as explicações de seu representante legal, se for caso de comparecimento deste, a respeito da não realização do registro no prazo devido;

d) se as testemunhas realmente conhecem o registrando, se dispõem de informações concretas e se têm idade compatível com a efetiva ciência dos fatos declarados no requerimento, preferindo-se as mais idosas do que ele;

e) quais escolas o registrando já frequentou; em que unidades de saúde busca atendimento médico quando precisa;

f) se o registrando tem irmãos e, se positivo, em que cartório eles estão registrados; se o registrando já se casou e, se positivo, em que cartório; se o registrando tem filhos e, se positivo, em que cartório estão registrados;

g) se o registrando já teve algum documento, como carteira de trabalho, título de eleitor, documento de identidade, certificado de batismo, solicitando, se possível, a apresentação desses documentos”.

Assim, há diversas informações que somente poderão ser prestadas pelo próprio registrando, maior de 12 (doze) anos de idade. Obviamente, pois, ele terá que estar presente para que ocorra o procedimento administrativo de registro tardio.

O provimento não trata sobre a possibilidade de se fazer ou não o registro tardio de uma pessoa já falecida. Esta é, talvez, a maior demanda hoje existente, tendo em vista os crescentes casos de pedidos feitos por descendentes de imigrantes que pleiteiam a cidadania estrangeira e que não conseguiram localizar o registro de nascimento de um ascendente. Como proceder nesses casos? Seria possível proceder ao registro tardio de uma pessoa falecida? Entendemos que, pela via administrativa, não é possível, restando, assim, a via judicial.

Outro ponto a ser observado: os descendentes teriam legitimidade para o requerimento do registro tardio de seu ascendente? Sim, eles têm essa legitimidade, mas o pedido deve ser feito  ao Poder Judiciário. É majoritário o entendimento dos Tribunais que os descendentes têm legitimidade para o requerimento de retificações, suprimentos ou restaurações no registro civil, uma vez que o assentamento é público e o erro pode acarretar prejuízo ao interessado.

Deve, contudo, o interessado comprovar seu interesse na retificação, suprimento ou registro tardio, apresentando, ainda, os documentos necessários para a comprovação do seu direito, bem como as provas necessárias para o convencimento do Juiz.

  1. Conclusão

A possibilidade de se requerer o registro tardio de nascimento diretamente nas serventias extrajudiciais é um grande avanço em nossa legislação, o que vem enobrecer a classe dos registradores civis, trazendo grande dinamismo a procedimentos que, até então, só eram possíveis pela via judicial.

No entanto, a via administrativa, prevista na Lei de Registros Públicos e regulamentada no Provimento nº 28/CNJ, não poderá ser utilizada para o registro de ascendentes já falecidos.

Os descendentes têm legitimidade para o requerimento do registro tardio de seus ascendentes, na via judicial, demonstrando que o registro não foi localizado e ainda fundamentando o seu interesse no registro.

*Letícia Franco Maculan Assumpção é graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (1991), pós-graduada e mestre em Direito Público. Foi Procuradora do Município de Belo Horizonte e Procuradora da Fazenda Nacional. Aprovada em concurso, desde 1º de agosto de 2007 é Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. É autora de diversos artigos na área de Direito Tributário, Direito Administrativo, Direito Civil e Direito Notarial, publicados em revistas jurídicas, e dos livros “Função Notarial e de Registro” e “Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil”. É professora e coordenadora da pós-graduação em Direito Notarial e Registral do Centro de Direito e Negócios – CEDIN.

**Stanley Savoretti de Souza é graduado em Direito pela Universidade Fumec (2011), é Oficial Substituto no Cartório do 1º Ofício de Registro de Imóveis de Belo Horizonte. Professor convidado da Escola Superior de Notários e Registradores – ESNOR e da pós graduação em Direito Notarial e Registral do Centro de Direito e Negócios – CEDIN. É sócio colaborador do Colégio Brasileiro de Genealogia desde 03.03.12004 e sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais. Autor de diversos trabalhos e do livro “Langerdörfer: os carreteiros de São Gabriel”.

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