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A atividade de controle e a função notarial e de registro

RESUMO

O artigo apresenta o novo enfoque do controle, elemento de destaque dentre aqueles que constituem a atividade administrativa. Esse novo enfoque é fundamentado nos princípios constitucionais e consiste no controle-consensual, no controle-impulso, orientado no sentido de buscar o melhor resultado da atividade e não apenas detectar falhas para a aplicação de sanções. O controle é importante em qualquer administração, mas, na Administração Pública, ganha ainda maior relevância, sendo essencial ao Estado Democrático de Direito, pois consubstancia uma garantia dos administrados ao evitar falhas, tornando mais eficiente o serviço.  É demonstrado, ainda, como é essencial que esse novo controle seja aplicado também à função notarial e de registro de modo a propiciar que essa importante função pública possa ser desempenhada com cada vez mais qualidade.

 

ABSTRACT

 

The article presents a new approach of the control activity, a prominent element amongst the ones that constitute the administrative activity. This new approach is based on the constitutional principles and consists on the consensual-control, on the impulse-control, oriented to search the optimum result of the activity, and not only to detect imperfections for the application of sanctions. The control is important in any administration, but, in the Public Administration, it gains bigger relevance, being essential to the Democratic State of Rights, as it guarantees the citizens, preventing errors, and making the public service more efficient. It is also demonstrated that this new control is essential to the notarial and registration function in order to propitiate that this important public function can gain continuously more quality.

 

PALAVRAS-CHAVE: controle, controle-consensual, Administração Pública, função notarial e de registro.

 

KEY WORDS: control, consensual-control, Public Administration, notarial and registration function.

 

 

1 INTRODUÇÃO

 

Com o presente artigo é apresentada uma visão da moderna administração no Estado Democrático de Direito, priorizando o novo entendimento sobre a atividade de controle. O controle concilia todos os demais elementos da administração e é essencial em qualquer organização, mas, na Administração Pública, o controle constitui a maior forma de garantia dos administrados. São examinados alguns aspectos do enfoque sobre o controle da função notarial e de registro, que é desempenhada nos popularmente conhecidos como “cartórios extrajudiciais” [1], sendo demonstrada a necessidade de alteração do foco do controle também para essa função, de modo que ele tenha como objetivo principal o sucesso da atividade e não a aplicação de sanções, em conformidade com os princípios constitucionais, notadamente os princípios da boa-fé e da eficiência.

 

2 DESENVOLVIMENTO

 

2.1 As funções do Estado

Seabra Fagundes ensina que o Estado é criado, ou reconstruído, pelo Poder Constituinte que, por meio da Constituição, “[…] institui a autoridade, delimitando a organização dos poderes públicos, e define os direitos fundamentais do indivíduo.” (FAGUNDES, 1984, p. 15)

 

Ainda conforme Seabra Fagundes (p. 16-19), o Estado realiza seus fins por meio de três funções: legislativa, que se liga aos fenômenos de formação do direito; administrativa e jurisdicional, que se prendem à fase de realização do direito, sendo ambas funções de execução[2]. A cada função corresponde um Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário), cujos órgãos não exercem de modo exclusivo a sua função, mas sim têm nela a sua competência principal ou predominante[3].

 

A função administrativa é aquela pela qual o Estado determina as situações jurídicas individuais, concorre para sua formação e pratica atos materiais. Já a função jurisdicional é aquela que restaura a legalidade, pressupondo um conflito em torno da realização do Direito e visando à remoção desse conflito pela definitiva e obrigatória interpretação da lei.

 

A diferença principal entre a função administrativa e a função jurisdicional está no fato de que a primeira aplica o Direito de forma não definitiva, já que seus atos são passíveis de exame por parte do Poder Judiciário, mediante provocação, e a segunda o aplica de forma definitiva. No entanto, ambas as funções têm como objetivo determinar ou definir situações jurídicas, realizando o Direito pela individualização da lei.

 

Até muito recentemente, o estudo da atividade de controle da Administração Pública era limitado àquela exercida pelo Poder Judiciário, no curso de processos judiciais. No entanto, o controle exercido pela própria Administração vem ganhando realce, por ter resultados mais rápidos e por resolver de forma menos traumática os problemas do dia a dia, considerando a realidade da prática administrativa e abrindo possibilidade de diálogo entre o controlador e o controlado. (FERRAZ, informação verbal)

 

2.2 A função administrativa e a atividade de controle
É objeto da função administrativa individualizar a lei, dando a ela efetividade, de modo que sejam alcançadas as diversas situações concretas pretendidas pelo enunciado genérico da lei. (FAGUNDES, 1984, p. 19)

 

Para melhor estudo da função administrativa, não é suficiente a ciência jurídica, sendo necessário buscar amparo também na ciência da administração, cujo objeto é o fato administrativo, social, que implica relações humanas orientadas para o alcance de certos objetivos desenvolvidos em marco particular, constituído pelas organizações. (FERRAZ, 1999, p. 69)

 

Considerando a ciência da administração, podemos afirmar que a atividade administrativa sempre tem uma finalidade, subordinada a uma decisão de poder (política). Na seara estatal, a atividade administrativa pressupõe a preexistência de uma regra jurídica, legitimada pelo atendimento ao interesse coletivo, já que todo o poder emana do povo, nos termos do art. 1º da Constituição da República de 1988 – CR/88. Pode-se dizer que “[…] no Estado de Direito as decisões políticas (de poder) são tomadas no exercício de função legislativa e implementadas pelo exercício da função administrativa (de execução da lei) […]”, estando essas decisões sempre submetidas ao atendimento de uma finalidade cogente, qual seja, o interesse público. (FERRAZ, 1999, p.69-70)

 

Administrar envolve uma série de atividades, destinadas a atingir fins específicos, que consistem, fundamentalmente, em prever, organizar, comandar, coordenar e controlar:

 

Em substância, administrar é: prever (traçar o programa de ação), organizar (constituir o organismo); comandar (dirigir, direcionar o pessoal); coordenar (harmonizar atos e esforços) e controlar (velar para que tudo corra de acordo com as regras estabelecidas e as ordens dadas). (FERRAZ, 1999, p. 207)

 

Dentre os elementos da administração, deve ser destacado o controle, que concilia todos os demais elementos, sendo essencial em qualquer organização. O controle, ao detectar falhas, evita sua repetição, aumentando a eficiência do serviço, razão pela qual, na Administração Pública, o controle constitui uma garantia dos administrados, sendo inerente ao Estado de Democrático de Direito. (FERRAZ, 1999, p. 73-76)

 

2.3 O controle da função notarial e de registro
O titular dos denominados “serviços notariais e de registro”, após aprovação em concurso público de provas e títulos, recebe, por meio de delegação feita pelo Estado, a autoridade para cumprir funções estatais que visam à realização de fins públicos (art. 236 e seus parágrafos, da Constituição da República de 1988), garantindo, conforme art. 1º da Lei de Registros Públicos – Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, publicidade, autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos. (BRASIL, 2009)

 

A delegação ao titular é uma forma de descentralização administrativa por colaboração, na qual o exercício de atividades jurídicas e materiais é outorgado a uma pessoa física, profissional do direito, que exerce de forma privada a função pública.  (RIBEIRO, 2008, p. 135)

 

Apesar de não se tratar de um servidor público[4], o titular é um agente público, pois atua exercendo poderes do Estado, razão pela qual está sujeito a fiscalização e a controle segundo métodos próprios da Administração Pública (CENEVIVA, 2008, p. 56), fiscalização essa que deverá ser feita pelo Poder Judiciário, nos termos do que determina a Constituição da República, no § 1º do seu art. 236. (BRASIL, 1988)

 

O fundamento para a fiscalização está em que o Estado, ao delegar a execução direta do serviço público, assume o dever de intervir e garantir que os notários e registradores cumpram adequadamente suas atribuições, satisfazendo o interesse público e as necessidades da coletividade (RIBEIRO, 2008, p. 136). Mas não deve ser somente essa a perspectiva. O Poder Judiciário tem o poder-dever de exercer o controle sobre os serviços notariais e de registro e, como a todo dever opõe-se um direito, o titular dos serviços tem o direito de ser devidamente controlado, de ser orientado sobre a melhor forma de proceder para a instalação do serviço logo em seguida à aprovação no concurso público, de ter o serviço regulamentado e de ter suas dúvidas esclarecidas, principalmente nos casos em que a lei não trate expressamente de determinada situação ou nos casos em que a interpretação da norma legal seja divergente.

 

O entendimento acima exposto está de acordo com a nova perspectiva sobre o Direito Administrativo, sendo o novo enfoque do controle um dos seus aspectos. Esse novo olhar é fundamentado na Constituição e na teoria do conhecimento, que propõe a interação entre os diversos campos do saber.

 

 

2.4 Participação e constitucionalismo: um novo modelo para a Administração Pública

 

O Direito Administrativo foi inicialmente estruturado para operar no Estado liberal clássico. Tinha, então, como objetivo limitar o exercício da autoridade do Estado, protegendo os administrados.

 

Com a substituição do Estado liberal pelo Estado-providência, houve uma transformação no quadro das atividades administrativas, passando a Administração a atuar como prestadora e planificadora, tornando-se necessário que ela lidasse com questões de organização e execução da função administrativa que antes ou eram inexistentes ou tinham pouca relevância.

 

A crise do Estado-providência, a partir dos anos oitenta do Século XX, provocou os processos de desregulação, desestatização e privatização de atividades antes prestadas pelo Estado, aprofundando as transformações e forçando o Direito Administrativo a adaptar-se novamente. (BAPTISTA, 2003, p. 18/19)

 

Em razão da maior participação do Estado na vida social, mesmo que indiretamente, tendo em vista a privatização de atividades públicas, o controle tornou-se uma importante ferramenta. No entanto, o controle, assim como todo o Direito Administrativo, deve ser entendido sob o enfoque constitucional. A Constituição apresenta a moldura dentro da qual o intérprete exerce sua criatividade e seu senso de justiça, moldura essa que se revela nos princípios, nos fins públicos e nos programas de ação nela estabelecidos. (BARROSO, 2001, p. 6/7)

 

No Brasil, o novo Direito Constitucional desenvolveu-se juntamente com o processo de redemocratização do país. Esse novo Direito Constitucional está fundamentado na busca da efetividade das normas constitucionais, tendo como premissa a força normativa da Constituição, bem como no desenvolvimento de uma dogmática da interpretação constitucional, com novos métodos hermenêuticos e com a sistematização de princípios específicos de interpretação constitucional.  O Direito Constitucional tornou-se o centro do sistema jurídico, de modo que todo o direito infraconstitucional deve ser interpretado à luz da Constituição. (BARROSO, 2001, p. 32)

 

Jürgen Habermas destaca a existência de um efeito irradiador dos direitos fundamentais para todas as esferas do direito e, principalmente, para aquelas esferas relacionadas com a atuação do Estado, de modo que o direito constitucional passa a assumir papel de autêntico limite substantivo – e não meramente formal – do Direito Administrativo. Os conteúdos e limites advindos dos direitos fundamentais operam, segundo Habermas, como parâmetros da atuação do Estado-administrador. (BAPTISTA, 2003, p. 42/43)

 

Paralelamente à constitucionalização – e sob seu influxo – surgiu a necessidade de democratizar a Administração Pública, com a participação dos administrados na vida administrativa, a fim de construir uma dogmática administrativa legitimadora. (BAPTISTA, 2003, p. 28/29)

 

A mudança de eixo nas relações entre Administração e administrados é um fator de impulso para o desenvolvimento da idéia da participação administrativa. O Estado Democrático de Direito que emergiu após o Segundo Pós-Guerra tornou o indivíduo o centro das atenções da vida estatal e também da vida administrativa.  A Administração Pública, direcionada para o respeito à dignidade da pessoa humana, deve abandonar o modelo autoritário e solitário de gestão. Ela deve transformar-se em centro de coordenação dos diversos interesses existentes na sociedade, funcionando como espaço deliberativo para o desenvolvimento das potencialidades sociais.

 

A participação pode ser considerada um direito fundamental. Ela assegura que o cidadão dialogue com a Administração, tornando possível ao indivíduo exercer influência em processos nos quais ele é afetado. (BAPTISTA, 2003, p. 129/132)

 

Já foi ultrapassado o estágio do confronto entre o indivíduo e o Estado. É imprescindível que seja reconhecido que o indivíduo é um cidadão que interage com o Estado na busca da realização do seu bem-estar e que seus interesses e aqueles do Estado não são contrapostos nem irreconciliáveis. O Estado não deve ser visto como um mal necessário, mas como um prestador de serviços públicos que necessita de toda a colaboração para ser mais econômico e eficiente, além de mais legítimo. O resgate da cidadania ocorrerá pela participação democrática do cidadão no exercício do poder. (PAULA, 2006, p. 225/227)

 

2.5 A nova perspectiva do controle na Administração Pública

 

A teoria do conhecimento propõe a interação entre os diversos objetos e campos do saber, numa perspectiva sistêmica, buscando a compreensão dos objetivos da atividade administrativa por meio da conexão do seu objeto, as normas jurídicas, com outros domínios do conhecimento, dentre os quais a ciência da Administração. O novo enfoque do controle é fundamentado nessa teoria do conhecimento, consistindo na conjugação da ciência da Administração com o Direito Administrativo, de forma que o controle passe a ser orientado no sentido de priorizar a busca pelo melhor resultado, pelo melhor serviço, e não apenas da aplicação de sanções. (FERRAZ, 2008)

 

Cabe esclarecer que a atividade de controle pode ser orientada com base em duas teorias. A primeira, conhecida como teoria da organização, causalista, que enfoca o emprego dos meios, não havendo preocupação com os resultados finais, mas apenas com a fiel observância dos meios previstos em lei. A segunda teoria, denominada administração por objetivos, finalista, gerencial, tem como foco os resultados, que deverão determinar e regular a aplicação dos meios (não são os meios que condicionam os resultados, mas sim o contrário). (MOREIRA, 2003, p. 66/67)

 

O paradigma da administração por objetivos foi adotado pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, editado em 1995 pelo governo federal. Ao ser apresentado o plano, foi expressamente reconhecido que se buscava reforçar a governança, por meio de uma Administração Pública gerencial, flexível e eficiente, voltada para o atendimento ao cidadão:

[…] pretende-se reforçar a governança – a capacidade de governo do Estado – através da transição programada de um tipo de administração pública burocrática, rígida e ineficiente, voltada para si própria e para o controle interno, para uma administração pública gerencial, flexível e eficiente, voltada para o atendimento do cidadão. O governo brasileiro não carece de “governabilidade”, ou seja, de poder para governar, dada sua legitimidade democrática e o apoio com que conta na sociedade civil. Enfrenta, entretanto, um problema de governança, na medida em que sua capacidade de implementar as políticas públicas é limitada pela rigidez e ineficiência da máquina administrativa. (BRASIL, 1995)

 

A Emenda Constitucional nº 19/98, seguindo esse paradigma, incluiu o princípio da eficiência dentre aqueles que regem a Administração Pública. (BRASIL, 1998)

 

Sob o enfoque organizacional, o controle é entendido como restrição, como punição. Na lógica do controle-sanção não há meio termo: ou a conduta é conforme as regras e procedimentos ou não é. Nesse último caso, deve-se penalizar o controlado, independentemente das circunstâncias práticas por ele vivenciadas na ocasião e das conseqüências futuras, às vezes negativas para o próprio funcionamento da Administração Pública. (FERRAZ, 2009)

 

No entanto, do ponto de vista gerencial, sistêmico, a prioridade não é punir, mas corrigir os rumos na atividade administrativa, orientar sobre o correto procedimento, dando-se prioridade à motivação positiva, ou seja, à denominada sanção premial. (MOREIRA, 2003, p. 68)

 

Efetivamente, desde o momento em que o Estado deixou de lado o modelo liberal para assumir uma função de prestador de serviços, passou a ser uma questão fundamental a eficaz realização desses serviços. O atendimento às demandas de eficiência administrativa ocupa na atualidade grande parte do esforço administrativo. Harmonizar o aperfeiçoamento do controle e o aumento da eficiência da administração pública, construindo um sistema equilibrado entre ambos, passou a ser o maior desafio do Direito Administrativo.  (BAPTISTA, 2003, p. 23)

 

Assim, aplicando-se esse novo enfoque de controle sobre a fiscalização da função notarial e de registro, que é efetuada pelo Poder Judiciário, podemos dizer que o controle deve ter como foco principal orientar os titulares dessas funções a agirem da melhor maneira para que seja prestado um serviço de qualidade, orientando para o sucesso da atividade.

 

Para contribuir para esse sucesso, cabe ao Estado, por meio do Poder Judiciário, ter uma postura pró-ativa, de colaboração, e não apenas de aplicação de sanções. A participação do Estado é importante em diversos momentos, mas não há dúvida de que sua intervenção é primordial no momento em que o novo titular do serviço notarial ou de registro, que acabou de ser aprovado em concurso público, assume o Cartório.

 

No momento da posse do novo titular, concursado, principalmente se não se tratar de criação de novo cartório extrajudicial, mas de transferência de titularidade, é efetivamente imprescindível a participação do Estado. É importante que seja feita uma auditoria de tudo que envolva o cartório. Não apenas os livros devem ser examinados e repassados ao novo titular, mas também toda a parte contábil, tributária e trabalhista deve ser analisada. O oficial ou registrador interino, que administrou o serviço enquanto o concurso público tinha andamento, deve apresentar ao Estado uma prestação de contas completa e satisfatória e, havendo problemas, deve ser imediatamente aberto processo administrativo.

 

Isso porque a relação daquele que estava interinamente exercendo a atividade é apenas com o Estado. Não há qualquer relação entre o interino e o novo titular. Quando ocorre a aprovação em concurso público, aquele que exercia interinamente a atividade devolve ao Estado o serviço, que é imediatamente delegado pelo Estado ao novo titular. Não há negociação entre o interino e o novo titular: o direito que um tinha de exercer a atividade termina quando aquele que foi aprovado em concurso público recebe a delegação do Estado e assume a titularidade do serviço.

 

O momento para instalação do cartório é dos mais difíceis para o novo titular. Na maioria dos casos ele tem que enfrentar a resistência do interino, resistência essa que poderia ser evitada caso o Estado disciplinasse a prestação de contas desse interino e a forma como deveria ser feita a transição para o novo titular.

 

Outro problema hoje comum tem como causa o entendimento da Delegacia da Receita Federal no sentido de que o Cartório deve ter um número de Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ e que o número do CNPJ deve ser mantido mesmo após a alteração na titularidade do cartório extrajudicial[5].

 

Essa exigência por parte da Receita Federal dificulta em muito a transição para o novo titular. Observe-se que o titular é uma pessoa física. Ele recebe a delegação, estrutura o cartório, contrata os empregados, enfim, age sempre como pessoa física, e também como pessoa física é tributado pelo imposto de renda. Assim, o mais lógico seria que o titular fosse identificado pelo CPF perante quaisquer órgãos públicos ou particulares. A exigência por parte da Receita Federal de  CNPJ para os cartórios extrajudiciais é de difícil compreensão.

 

Atualmente, como a identificação do cartório é feita em muitos casos levando-se em conta o CNPJ, o novo titular pode se deparar com diversas dívidas que, apesar de serem referentes ao interino ou mesmo do titular anterior, serão a ele atribuídas até que ele demonstre a ausência de responsabilidade. Isso poderá envolver processos judiciais que demandarão tempo e custos desnecessários[6].

 

O ideal, pois, seria que o Estado normatizasse e controlasse a transição para o novo titular, de forma que ele recebesse a delegação de forma limpa, sem qualquer vínculo com o passado.

 

A atuação do Estado nesse momento, além de garantir a efetividade do concurso público, de modo que qualquer pessoa, mesmo sem recursos financeiros, pudesse assumir sem temor um cartório, também evitaria problemas em eventuais processos judiciais em que o próprio Estado pudesse ser responsabilizado por dívidas anteriores. Se o Estado não age, se ele se omite no seu poder-dever de controlar, não há como ser afastada sua responsabilidade.

 

2.6 O controle-consensual

 

O foco da moderna Administração quanto ao controle não deve ser procurar por falhas para aplicar sanções, mas a cooperação, o trabalho visando a dar o melhor resultado ao serviço. Isso não quer dizer que, quando falhas sejam detectadas pelo órgão de controle, o Estado não vá reprimi-las. A repressão terá que existir, notadamente nos casos de descumprimento da lei por má-fé. No entanto, se houve boa-fé, se o agente público atuou dentro dos valores éticos que regem a Administração Pública, usando de lealdade e probidade, mesmo que a interpretação que tenha dado aos dispositivos legais seja diversa daquela que o órgão de controle entenda correta, o caminho não deve ser a sanção, mas a orientação. É a perspectiva do controle-consensual, paralelo ao controle sancionatório. (FERRAZ, informação verbal)

 

Segundo o Professor Luciano Ferraz (informação verbal), a sustentação para o controle-consensual encontra-se na própria Constituição, que, no seu preâmbulo, estatui que o Brasil está comprometido com a solução pacífica das controvérsias tanto no âmbito interno quanto no internacional:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. (BRASIL, 1988)

 

Esse espírito de controle consensual de controvérsias também pode ser verificado na legislação infraconstitucional, como, por exemplo, no art. 5º, § 6º, da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), que prevê o termo de ajustamento de conduta, e no art. 59, § 1º, inciso V, da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000), que estabelece que os Tribunais de Contas alertarão os Poderes e órgãos mencionados no art. 20 da mesma lei quando constatarem fatos que comprometam os custos os ou os resultados dos programas ou indícios de irregularidades na gestão orçamentária. (FERRAZ, informação verbal)

A idéia de produção de instrumentos consensuais de controle tem como objetivo substituir parcialmente o controle-sanção pelo controle-consenso; o controle-repressão pelo controle-impulso, reconhecendo a falibilidade do ser humano e apostando na sua auto-recuperação, de forma a prestigiar dois valores fundamentais da República Federativa do Brasil: o valor social do trabalho e o princípio da dignidade da pessoa humana.

 

A nova perspectiva do controle está de acordo com os novos paradigmas da Administração, a gestão, e do Direito Administrativo, a juridicidade, e contribui para a busca constante do aprimoramento do desempenho e dos resultados, visando à construção de uma administração pública econômica, eficiente, eficaz e, principalmente, efetiva. (FERRAZ, 2008)

 

É preciso que os agentes públicos tenham condições de exercer sua criatividade, contribuindo para uma Administração mais justa e eficiente, sem o constante temor de serem sancionados por não estar suficientemente clara na lei a forma como devem agir. Sabemos que nos tempos atuais, em que a complexidade aumenta a cada dia, a lei não consegue acompanhar a velocidade das transformações sociais e tecnológicas e sempre haverá margem para dúvidas. Nesses casos, se o agente público interpreta as normas legais tendo como fim o melhor atendimento ao cidadão, dentro dos padrões éticos da sociedade, não deve sofrer sanções, ainda que o Estado entenda que a interpretação que foi dada ao caso não é a mais correta.

 

A regra é a boa-fé, princípio constitucionalmente consagrado. A má-fé não se presume, mas deverá ser demonstrada. Tratando-se de princípio constitucional, a boa-fé irradia-se por toda a ordem jurídica, inspirando as relações jurídicas e devendo ser utilizada para orientar a interpretação jurídica na aplicação da lei ao caso concreto. Entretanto, para que seja mais facilmente aferível a boa-fé, convém que os atos sejam praticados conforme motivação expressa, sendo mais profunda e completa essa motivação quanto mais complexa for a situação ou mais divergente a interpretação de certa norma legal. (FERRAZ, informação verbal e MOREIRA, 2003, p. 83)

 

O notário ou registrador é um agente público e atua em uma seara na qual as dúvidas quanto à interpretação da lei são constantes, pois esse agente público costuma agir antes que a lei tenha sido objeto de análise pelo Poder Judiciário. Deverá esse profissional do Direito, pois, sempre motivar seus atos, sendo essa motivação mais completa quando identificar a possibilidade de outra interpretação divergente.  Dessa forma, o órgão de controle terá subsídios para examinar se houve ou não má-fé do agente público no exercício da atividade, valendo-se de mecanismos de controle-consensual sempre que estiver presente a boa-fé e aplicando o controle sancionatório nos casos de má-fé.

 

Um interessante instrumento de controle-consensual, que poderia ser utilizado também no controle dos serviços notariais e de registro, é a Suspensão do Processo Administrativo Disciplinar (SUSPAD), implantado no âmbito da Corregedoria-Geral do Município de Belo Horizonte[7].

 

A SUSPAD é uma inovação no curso do processo administrativo disciplinar previsto no Estatuto dos Servidores do Município de Belo Horizonte, tendo sido inspirada na Suspensão Condicional do Processo Penal (Lei Federal n. 9.099/95). Seus objetivos principais são: desburocratizar e tornar menos dispendiosos os processos de controle disciplinar, conferir maior celeridade aos processos instalados pela Corregedoria (princípio da economia processual) e permitir a auto-recuperação do servidor nas infrações de baixo potencial ofensivo à disciplina interna da Administração. (FERRAZ, 2009)

 

As condicionantes para o servidor que adere à SUSPAD e que podem ser aplicadas alternativa ou cumulativamente, por prazo que varia de 1 (um) a 5 (cinco) anos conforme a natureza e gravidade da falta, são: a) prestação de serviços voluntários à comunidade; b) comparecimento bimestral à Corregedoria-Geral do Município para apresentar declaração da chefia imediata, referendada pelo Secretário Municipal e pelo Secretário Municipal adjunto a que se vincula o servidor, que certificará o cumprimento dos deveres impostos e o não cometimento de atos proibidos pela lei que rege o funcionalismo público municipal, bem como o desempenho satisfatório das principais atribuições do cargo e das funções que lhe forem conferidas. (FERRAZ, 2009)

 

A SUSPAD, reconhecendo a falibilidade do ser humano e prestigiando o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana, concretiza os princípios constitucionais da eficiência (art. 74, II, da CR/88), da economicidade (art. 70 da CR/88) e da eficácia (art. 74,II, da CR/88), pois diminui o tempo de tramitação dos processos, com redução dos gastos públicos e possibilita que sejam processados somente os servidores que cometerem faltas graves à disciplina interna do serviço público, proporcionando a conscientização do indivíduo acerca dos deveres que o exercício da função implica, de modo a evitar futuras falhas e a contribuir para a melhoria do serviço prestado. (FERRAZ, 2009)

 

2.7 A taxa de fiscalização judiciária

 

A pessoa natural ou jurídica que utiliza os serviços notariais e de registro, além dos emolumentos[8] devidos ao titular dos serviços notariais e de registro, paga ao Estado uma taxa denominada Taxa de Fiscalização Judiciária – TFJ[9].

 

O usuário costuma entender que o serviço notarial ou de registro tem um valor muito elevado, desconhecendo que o valor que ele paga inclui, além dos emolumentos, também uma taxa destinada ao Estado.

 

A referida taxa tem como fato gerador o exercício do “poder de polícia” atribuído ao Poder Judiciário pela Constituição da República[10].

 

Apesar de o contribuinte da TFJ ser o usuário dos serviços, o notário ou registrador é o responsável pelo recolhimento da referida taxa, cabendo a ele cobrá-la do usuário juntamente com os emolumentos e recolher a mesma aos cofres públicos no prazo fixado em lei.

 

A lei não fixa parâmetros para a fixação do valor da TFJ, mas esse valor não deve representar aumento considerável do custo do serviço, para que não seja dificultado o acesso ao mesmo, que é essencial ao cidadão[11].

 

O controle é um ônus para o Estado e deveria ser efetuado de forma eficiente mesmo que não houvesse qualquer contrapartida. Entretanto, havendo contrapartida (que consiste na TFJ) ainda mais evidente é a necessidade de que esse controle seja feito da melhor forma possível e que tenha como objetivo o sucesso da atividade.

 

3 CONCLUSÃO

 

No presente artigo foi apresentada uma nova visão do controle, elemento de destaque dentre aqueles que constituem a atividade administrativa e que é essencial no Estado Democrático de Direito.  Essa nova visão é fundamentada na Constituição e na teoria do conhecimento, que propõe a interação entre os diversos campos do saber.

 

Esse novo enfoque sobre o controle está de acordo com os princípios constitucionais, notadamente o princípio da eficiência, incluído pela Emenda Constitucional n. 19/98 dentre aqueles que regem a Administração Pública. A referida Emenda Constitucional seguiu o paradigma da administração pública gerencial, flexível e eficiente, voltada para o atendimento do cidadão adotado pelo governo federal, em 1995, no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado.

 

Buscou-se demonstrar que o novo controle, cujo foco primordial é a melhoria do serviço prestado, e não a aplicação de sanções, também deve ser aplicado aos serviços notariais e de registro, que, nos termos da Constituição da República (artigo 236), são prestados por particulares aprovados em concurso público, consistindo em uma delegação de serviço público a uma  pessoa física em caráter privado.

 

A Constituição estabelece que a fiscalização dessa função deverá ser feita pelo Poder Judiciário (§ 1º do art. 236), a quem cabe, portanto, controlar o serviço, orientando sobre a melhor forma de proceder para a sua instalação, regulamentando a atividade e esclarecendo eventuais dúvidas.

 

Essa participação do Estado é primordial no momento em que o novo titular do serviço notarial ou de registro assume o cartório extrajudicial, a fim de garantir a efetividade do concurso público e evitar problemas para o próprio Estado, pois, se ele não age, se há omissão no seu poder-dever de controlar, não há como ser afastada sua responsabilidade.

 

Uma interessante idéia que pode ser aplicada aos serviços notariais e de registro é o controle-consensual, cuja sustentação encontra-se no preâmbulo da própria Constituição, onde está estatuído o compromisso de solução pacífica das controvérsias tanto no âmbito interno quanto no internacional. O controle-consensual prestigia dois valores fundamentais da República Federativa do Brasil: o valor social do trabalho e o princípio da dignidade da pessoa humana.

 

O controle é um ônus para o Estado, pelo que deveria ser efetuado eficientemente mesmo que não houvesse qualquer contrapartida. Entretanto, havendo contrapartida, que consiste na Taxa de Fiscalização Judiciária – TJF, ainda mais evidente é a necessidade de que esse controle seja feito da melhor forma possível e que tenha como objetivo o sucesso da atividade.

 

Aconteceu uma surpreendente e radical transformação no próprio entendimento sobre o controle, que não mais pode ser enxergado como mera “fiscalização” eventual e sancionadora, mas como uma colaboração, uma cooperação voltada para o sucesso da atividade. Nos serviços notariais e de registro, o Estado e o particular devem trabalhar de braços dados para que os serviços prestados sejam sempre melhores e mais eficientes para o cidadão, para o usuário, cujo atendimento constitui a razão da existência da atividade.

 

4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BAPTISTA, Patrícia. Transformações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

 

BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos Teóricos e Filosóficos do Novo Direito Constitucional Brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo).  Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ –Centro de Atualização Jurídica, v. I, n. 6, setembro, 2001. Disponível em: http://www.direitopublico.com.br. Acesso em 27 dez. 2008.

 

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI n. 2129/MS. Relator Min. Eros Grau, julgada em 26 abr. 2006. Tribunal Pleno, DJ 16 jun. 2006, p. 4. Disponível em: www.stj.jus.br. Acesso em: 20 mar. 2010a.

 

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*Letícia Franco Maculan Assumpção – Graduada em Direito pela UFMG, pós-graduada, mestre e doutoranda em Direito. Oficial do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito de Barreiro, em Belo Horizonte, MG. Diretora do Instituto Nacional de Direito e Cultura – INDIC. Professora e co-coordenadora da Pós-Graduação em Direito Notarial e Registral na parceria INDIC-CEDIN. Vice-Presidente do Colégio Registral de Minas Gerais e Diretora do CNB/MG. Autora dos livros Notas e Registros, Casamento e Divórcio em Cartórios Extrajudiciais do Brasil e Usucapião Extrajudicial, além de diversos artigos na área do direito notarial e registral.

 

[1] Os hoje denominados “serviços notariais e de registro” pelo art. 236 da Constituição da República de 1988 historicamente são conhecidos como “cartórios extrajudiciais”. Assim, utilizaremos esse termo ao longo desse artigo como sinônimo de serviços notariais e de registro.

[2] A visão de Seabra Fagundes, apesar de claramente positivista, já que somente admite a criação do Direito pelo Legislativo, não cogitando de sua construção pelo Judiciário ou pela Administração, quando da sua aplicação ao caso concreto, é muito didática e ainda hoje básica para introduzir qualquer análise sobre as funções do Estado.

[3]  Os órgãos do Estado exercem, de forma excepcional, funções que tipicamente correspondem a outros órgãos. Assim, o Legislativo, por meio do Senado Federal, julga os crimes de responsabilidade do Presidente e do Vice-Presidente da República, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, do Procurador-Geral da República e do Advogado-Geral da União, praticando atos materialmente jurisdicionais, cujo mérito não poderá ser revisto pelo Judiciário. Também o Legislativo pode realizar concursos públicos para admitir pessoal, desempenhando, pois, função administrativa. Já o Judiciário realiza, por exemplo, licitações para aquisição de materiais, no desempenho de função administrativa. (FERRAZ, 1999, p. 62-64)
[4] Apesar de hoje prevalecer o entendimento, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, de que o titular de serviços notariais e de registro não é servidor público em sentido estrito, antes da promulgação da Constituição da República de 1988 o entendimento prevalente era no sentido de que tais titulares eram servidores públicos, razão pela qual o tratamento a eles conferido pelas legislações estaduais era muito semelhante ao dado aos funcionários públicos remunerados diretamente pelo Estado. Cabe ainda fazer a ressalva de que até hoje há titulares que ocupam cargo em serventias oficializadas, estatais, que são, portanto, servidores públicos em sentido estrito.
[5] Essa obrigatoriedade já foi expressamente reconhecida pela Receita Federal, que informou: “Embora os serviços notariais e registrais (cartórios) não possuam personalidade jurídica, estão obrigados a inscreverem-se no CNPJ, independente da atribuição ou acumulação de competência, conforme prevê o art. 12, § 3º, inciso VII, da Instrução Normativa SRF nº 200, de 13 de setembro de 2002.” Disponível em <http://www.receita.fazenda.gov.br/PessoaJuridica/DOI/Perguntas/ObInsCNPJSerNotReg.>. Acesso em 05/01/2009.
[6] Esse problema tornou-se mais evidente após o início dos concursos públicos para os serviços vagos, em obediência ao disposto no art. 236 da Constituição da República, pois, anteriormente, como os Cartórios costumavam passar de pais para filhos, as questões sucessórias eram resolvidas dentro da família, sem necessidade de demandas judiciais. Como a realização de concursos públicos é obrigatória, o problema tende a agravar-se, pelo que a análise da questão pelo Estado e sua regulamentação são essenciais.

[7] A SUSPAD foi introduzida pelo art. 6º da Lei Municipal de Belo Horizonte nº 9.310/06 e regulamentada pelo Decreto nº 12.636/07.

[8] Os emolumentos são os valores que cabem ao titular dos serviços notariais e de registro, mas é um engano entender que todo esse valor é remuneração do titular. Esse valor abrange o custo do serviço, desde o aluguel do imóvel, salário dos empregados, maquinário, programas de informática e materiais necessários à atividade – somente o restante é a remuneração do titular. A Lei federal nº 10.169/2000 regula o § 2o do art. 236 da Constituição Federal, mediante o estabelecimento de normas gerais para a fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.
[9] No Estado de Minas Gerais, rege a taxa de fiscalização a Lei Estadual nº 15.424/2004. (MINAS GERAIS, 2009)

[10] Há autores, dentre os quais Sacha Calmon Navarro Coelho, que entendem ser inconstitucional a TFJ, ao fundamento de que a fiscalização de atividade desempenhada por agentes públicos não caracterizaria poder de polícia, pelo que não estariam preenchidos os requisitos do art. 145, II, da CR/88 para a instituição de taxas. (COELHO, 2008)  No entanto, na ADI nº 2129 MC/MS, DJ de 16 jun. 2006 (BRASIL, 2010a), bem como na ADI nº 3151-1/MT, DJ de 28 abr. 2006, (BRASIL, 2010b), o Supremo Tribunal Federal manifestou-se pela constitucionalidade da TFJ, vencido, em ambas as oportunidades, o Min. Marco Aurélio, que entendia pela inconstitucionalidade da referida taxa.

[11] Em Minas Gerais o percentual da TFJ em relação ao total pago pelo usuário varia muito: vai desde aproximadamente 11,4% em atos do registro civil até 43,56% em atos de maior valor relativos a notas, protesto ou registro de imóveis.

 

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