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Quantos prenomes podem ser atribuídos a uma pessoa?

Nome de princesa? Ou de príncipe? Até onde chegar sem causar dificuldade para a criança?

Quantos prenomes pode receber uma pessoa hoje no Brasil? Trata-se de questão muito importante para os pais, para as crianças, para os Registradores Civis das Pessoas Naturais e para toda a sociedade.

 

O problema não é bem solucionado na Lei de Registros Públicos (Lei nº 6.015/1973) e não é disciplinado pelo Código Civil, no entanto é certo que receber prenomes em excesso pode trazer constrangimento para a pessoa, bem como problemas para a sociedade, dificultando a identificação, já que nos cadastros existentes pode não haver espaço suficiente para fazer constar o nome completo, do que podem derivar diversos transtornos.

 

Pode-se entender que, em relação ao número de prenomes, a situação já se resolveria com a aplicação da Lei de Registros Públicos que veda, no parágrafo único do art. 55, que sejam registrados prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores.

 

Ocorre que a referida norma da Lei de Registros Públicos é por demais vaga e subjetiva, levando a uma atuação por parte dos Oficiais de Registro das Pessoas Naturais que não é uniforme.

 

O melhor, pois, é que seja utilizada a hermenêutica jurídica para que, utilizando a interpretação sistemática, teleológica e histórica, seja possível identificar uma regra que sirva como norte no que se refere ao número de prenomes. É o que pretende o presente estudo.

 

Historicamente, no Brasil Colônia e mesmo no Império, não havia limites para o número de prenomes. Cabia à Igreja o registro[2], e os nomes de batismo de D. Pedro I, D. Pedro II e da Princesa Isabel podem exemplificar a profusão de prenomes utilizados na época, ao menos para os membros da família real.

 

O nome completo de D. Pedro I era Pedro de Alcântara Francisco António João Carlos Xavier de Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon. D. Pedro II se chamava Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga. A Princesa Isabel tinha o nome completo de Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon.

 

O Decreto 5604, de 25 de abril de 1874, que estabelecia sobre o registro civil dos nascimentos, casamentos e óbitos, nada esclarecia no seu art. 51, que relacionava o que deveria conter o assento de nascimento. No entanto, ao tratar de gêmeos, assim determinava:

 

Art. 55. Sendo gemeo, declarar-se-ha no assento se nasceu em primeiro ou segundo lugar.

Os gemeos, que tiverem o primeiro nome igual, deverão ser inscriptos com dous ou mais nomes, de modo que se possam distinguir um do outro; e a respeito de cada um se lavrará assento especial. – sem grifos ou negrito no original.

 

Portanto, observa-se que a norma de 1874 não limitava o número de nomes, estabelecendo que os gêmeos que tivessem o primeiro nome igual deveriam ser inscritos com dois ou mais nomes. Aqui a palavra nome é usada no sentido de prenome, porque no decreto, quando se queria tratar de sobrenome, usavam-se os termos sobrenome e appellido, como se observa do inciso 9º do art. 51, no qual se informava que o assento de nascimento deveria conter:

 

9º Os nomes, sobrenomes e appellidos dos pais; a naturalidade, condição e profissão destes; a parochia onde casaram e o domicilio ou residencia actual; – sem grifos ou negrito no original.

O Decreto nº 9886[3], de 7 de março de 1888, assinado pela Princesa Isabel, então regente, e pelo Barão de Cotegipe, mandou observar novo regulamento para a execução do art. 2º da Lei nº 1829, de 9 de setembro de 1870[4], na parte que estabelece o registro civil dos nascimentos, casamentos e óbitos, revogando o Decreto nº 5.604/1874. O decreto de 1888, em seu art. 58, determinava o que o assento de nascimento deveria conter:

 

Art. 58. O assento do nascimento deverá conter:

1º O dia, mez, anno e logar no nascimento, e a hora certa ou approximada, sendo possível determinal-a;

2º O sexo do recem-nascido;

3º O facto de ser gemeo, quando assim tenha acontecido;

4º A declaração de ser legitimo, illegitimo ou exposto;

5º O nome e sobrenomes que forem ou houverem de ser postos a criança;

6º A declaração de que nasceu morta, ou morreu no acto ou logo depois do parto;

7º A ordem de filiação de outros irmãos do mesmo nome, que existam ou tenham existido;

8º Os nomes, sobrenomes e appellidos dos pais; a naturalidade, condição e profissão destes; a parochia ou logar onde casaram e o domicilio ou residencia actual;

9º Os nomes, sobrenomes e appellidos de seus avós paternos e maternos;

10º Os nomes sobrenomes, appellidos, domicilio ou residencia actual do padrinho, da madrinha e de duas testemunhas, pelo menos, assim como a profissão destas, e a daquelle, si o recem-nascido já fôr baptizado. (Modelo n. 2.)

 

[…]

 

Art. 62. Senão gemeo, declarar-se-ha no assenta si nasceu em primeiro ou segundo logar.

Os gemeos que tiverem o primeiro nome igual deverão ser inscriptos com dous ou mais nomes, de modo que se possam distinguir um do outro; e a respeito de cada um se lavrará assento especial. – sem grifos ou negrito no original.

 

Logo, a norma de 1888 também deixava de impor limites ao número de nomes, sendo a palavra nome também aqui usada no sentido de prenome.

No entanto, em 1928 foi publicado o Decreto nº 18542[5], que aprovou o regulamento para a execução dos serviços concernentes nos registros públicos estabelecidos pelo Código Civil.

O Decreto de 1928 tratou diferentemente a questão do nome dos gêmeos, regulamentando ainda o nome dos demais filhos a que se pretende dar o mesmo prenome, tendo estabelecido o seguinte:

Art. 77. Sendo gemeos será declarada no assento especial de cada um a ordem de nascimento. Os gemeos que tiverem prenome igual deverão ser inscriptos com duplo prenome ou nome completo diverso, de modo a se poderem distinguir uns dos outros. (Dec. n. 9.886, cit., art. 62.)

Paragrapho unico. Tambem serão obrigados a duplo prenome ou nome completo diverso os filhos de idade differente a que se pretender dar o mesmo prenome. – – sem grifos ou negrito no original.

 

Aqui, então, houve uma mudança de posição, pois a lei expressamente limitou o número de prenomes a dois ao afirmar que serão inscritos ou serão obrigados a duplo prenome os filhos a quem se pretendia dar o mesmo prenome.

O Código Civil de 1916 é omisso sobre o tema, mas a norma prevista no art. 77 do Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939[6], reproduziu o mesmo conteúdo da norma prevista no decreto de 1928, acima reproduzida.

E a mesma norma chegou até o presente, pois assim determina a Lei de Registros Públicos, em seu art. 63 (sem grifos ou negritos no original):

Art. 63. No caso de gêmeos, será declarada no assento especial de cada um a ordem de nascimento. Os gêmeos que tiverem o prenome igual deverão ser inscritos com duplo prenome ou nome completo diverso, de modo que possam distinguir-se.

Parágrafo único. Também serão obrigados a duplo prenome, ou a nome completo diverso, os irmãos a que se pretender dar o mesmo prenome.

 

Logo, apesar de não haver uma norma específica determinando de forma clara a limitação do número de prenomes, a interpretação teleológica, sistemática e histórica é suficiente para reconhecer que o prenome pode ser simples, como Marcelo, ou duplo, como Maria Celeste. Não é possível atribuir a uma pessoa mais de dois prenomes.

 

Cabe ressaltar, ainda, que a utilização de prenomes simples ou duplos já é de praxe nos Cartórios de Registro Civil e o costume é fonte do Direito.

 

Seria a interpretação acima ofensiva à dignidade da pessoa humana ou à liberdade na atribuição de prenomes? A resposta tem que ser negativa.  Como bem ensina Leonardo Brandelli, a dignidade da pessoa humana não significa a ausência de regras, mas, ao contrário, que devem existir regras voltadas para o bem estar da pessoa e para a boa convivência humana, que é o objetivo do Direito. Sem regras, o caos instaura-se, o que também ocorre no que tange ao nome[7].

 

[1]A autora é Oficial de Registro do Cartório do Registro Civil e Notas do Distrito do Barreiro, em Belo Horizonte, MG, é Secretária do Colégio Registral e do CNB-MG, bem como Coordenadora do Departamento de Registro Civil da SERJUS/ANOREG-MG.

 

[2]O registro civil no Brasil, até o final do Império, cabia à Igreja Católica, que exercia atribuições de ordem administrativa da maior relevância: estavam a seu cargo os registros de nascimento, de casamento e de morte. Para Raymundo Faoro à época houve “[…]a redução do clero a um ramo da administração pública”. É o chamado “padroado”, que consistiu no controle das nomeações das autoridades eclesiásticas pelo Estado e na direção, por parte deste, das finanças da Igreja.  As despesas eclesiásticas, na fase inicial da colonização, somente eram superadas pelos gastos militares. (FAORO, 2001, p. 229-230)

 

[3]Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-9886-7-marco-1888-542304-publicacaooriginal-50566-pe.html>. Acesso em: 23fev.2013.

 

[4]Por meio da Lei nº 1.829, de 9 de setembro de 1870, o Imperador D. Pedro II  mandou proceder ao recenseamento da população do Império. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1824-1899/lei-1829-9-setembro-1870-552647-publicacaooriginal-70024-pl.html>. Acesso em: 23fev.2013.

 

[5]Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=87282>. Acesso em: 23fev.2013.

 

[6]Disponível em: <http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.action?numero=4857&tipo_norma=DEC&data=19391109&link=s>. Acesso em: 23fev.2013

[7]BRANDELLI,Leonardo. Nome civil da pessoa natural. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 123.

 

Letícia Franco Maculan Assumpção

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